O lado pagão das Festas do Senhor Santo Cristo dos Milagres, em São Miguel, tem destas coisas: as tasquinhas de comes e bebes multiplicam-se, aviando os petiscos que fazem a sua - digamos, com generosidade - fama.
Em frente ao renovado Coliseu Micaelense, destoando do mar de bancas que vendem o último grito da moda cigana - calça de ganga de indizível marca e sapatos cor-de-rosa, de salto alto - o rés-do-chão da Melo Abreu serve umas iscas competentes. Ali encontrei o António José, azafamado,à hora do almoço, a atender pedidos, com outros amigos. Elogiei-lhe o jeito para a coisa, mas acho que o talento dele para escrever supera o de servir à mesa!
A propósito de iscas,com os agradecimentos ao glória fácil, Albino Forjaz de Carvalho, em 1940, escrevia na "Volúpia (a nona arte: a gastronomia)", Editorial Notícias:
"Ia-se às iscas. Ah!, mas não se julgue que as iscas eram o que são hoje. Não. Perdeu-se a poesia das iscas. (...) O cozinheiro era sempre galego, conhecido em calão por frege-moscas, e o segredo da sua preparação culinária, quanto a nós, devia-se a dois factores especialmente: primeiro, à espessura quase inverosímil da isca. Espessura negativa, que exigia na sua confecção adestramento e faca; segundo, a que nunca se lavava a frigideira a não ser de anos em anos, quando os cozinheiros iam à terra, para deixar malparados os créditos do substituto.(...) Com banha de porco e baço raspado, as iscas saídas do alguidar onde estão de molho em vinagre, sal, pimenta, louro e alho, saltam na ponta do garfo e espalham-se na frigideira. O fígado penetra-se do gosto dos condimentos e abre num cheiro maravilhoso.(...)Com as iscas comia-se uma conserva que os galegos denominavam conserva à portuguesa, composta de tiras muito finas de cenoura e pimentos verdes, que era um verdadeiro achado a junção dos dois petiscos. Isso tudo se perdeu."
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