07/12/2004

A DISSOLUÇÃO EM CÂMARA LENTA


Oito dias após o início da crise política em que o país está mergulhado, já é quase um lugar comum dizer-se que serão quase irrelevantes os argumentos que o Presidente da República usará para justificar o seu acto discricionário de dissolução da Assembleia da República.

Os portugueses já perceberam que não foi apenas a demissão do Dr. Chaves, o discurso da "incubadora" ou qualquer um dos desacertos da governação de Santana Lopes que, por si só, justificaram a dissolução: o comportamento do Dr. Jorge Sampaio revela que ele teve a percepção de que a maioria política no parlamento e no governo já não se identificaria com o sentimento dominante da sociedade portuguesa e que a melhor forma de apurar se a maioria política corresponderia à maioria sociológica conjuntural era através do voto.

Tomando como bom este argumento, então não se compreende que o Presidente da República tenha adiado a assinatura do decreto da dissolução da Assembleia da República para data posterior à da aprovação do orçamento de estado. A atitude do Dr. Jorge Sampaio é mesmo contraditória: se a actual maioria precisa de relegitimação por meio de sufrágio popular, então, o orçamento de estado que é uma das expressões mais evidentes das opções de governação está ferido de morte.

A dissolução da Assembleia da República em "slow motion" encetada pelo Presidente da República é um acto que pretende agradar a "Deus e ao diabo". Ao dissolver o Presidente reconcilia-se com a sua família política, agarrando um pretexto útil fornecido por um Governo que não soube acautelar a sua estabilidade interna como contra-peso às condições estabelecidas pelo Presidente da República em Julho, quando nomeou o Dr. Santana Lopes como Primeiro-Ministro. Aos olhos dos portugueses, o Presidente da República pretende assumir uma atitude responsável, ao dissolver, permitindo que o orçamento seja aprovado.

Nesta crise, o Dr. Jorge Sampaio revelou ? uma vez mais ? que a gestão do tempo político não é a sua especialidade. A sua comunicação ao país sobre as razões da dissolução é quase irrelevante e a consulta ao Conselho de Estado e aos partidos foi transformada numa trivialidade, despida de sentido institucional.

Com esta dissolução ? com a qual não concordo, embora possa entender as razões do Presidente da República ? ocorreu uma reinterpretação do poder presidencial de dissolução do parlamento, agora lido à luz da teoria das catástrofes: um bater de asas no governo, provoca, não uma tempestade em New York, mas a dissolução do parlamento, ainda que a maioria seja absoluta e sólida.

Em todo este episódio, o PSD tem de queixar, maioritariamente, de si próprio, pela maneira atabalhoada como a governação foi exercida nos últimos quatro meses. Nem todos os episódios da governação serão relevantes para determinar o carácter do executivo, mas a verdade é que o exercício do poder bem poderia ter sido mais eficaz, equilibrado e consentâneo com o que se esperaria dum Governo na segunda metade da legislatura.

O PS parte para as próximas eleições com a tarefa facilitada pelo facto da dissolução lhe ter caído ao colo: há eleições, muito embora o unido mérito do Engº Sócrates seja apenas o de existir. Escorado no seguro-caução de António Vitorino, o Engº Sócrates apresenta-se aos portugueses como o sucedâneo de outro engenheiro, do qual, aliás, é filho político dilecto. Apesar do momento, o PS ainda não ganhou as eleições e muito menos com maioria absoluta.

Os próximos dias são cruciais para os portugueses perceberem a espessura política de José Sócrates.

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