Vejo-os sem os poder ouvir. Num vulgar centro comercial, numa dessas zonas impessoais a que chamam pomposamente "praça da comida", estão os dois sentados frente-a-frente, a comer, com um olhar ausente, o hamburguer que publicidade incisiva nos compele a consumir. O rapaz e rapariga - um casal? - estão obviamente zangados um com o outro. Adivinho a intensidade das palavras pela rudeza dos gestos e pelos olhares que se desviam. Sobretudo, pelos olhos que fogem do contacto, refugiando-se nas pessoas ao lado, na cúpula do centro comercial e no interesse desmedido pelas batatas fritas. Há um gesto dela mais irado, a que ele responde de modo rápido. Ficam os dois silenciosos. Frente a frente, cada um inventa uma estratégia para resistir ao momento. De súbito, ele pega num pequeno pacote de ketchup (daqueles que acompanham as batatas fritas do fast-food) e começa a ler, longamente, as instruções no verso. O rapaz construiu, ali mesmo, uma intransponível barreira vermelha contra o insuportável silêncio num local público.
26/04/2005
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