Um texto antigo, publicado na :Ilhas dedicada a Santa Maria.
o tempo vive enlatado na penumbra
dos dias
J. H. Borges Martins
Os ouvidos rente à ilha na escuta dos rumores das gentes. À procura, na minha ilha.
É estanho escrever a "minha ilha", como se as ilhas pudessem ter donos, ao contrário dos ensinamentos dos mapas!
Maria, nome de mulher e de santa, é invocação de ilha. De ilha que não dorme.
Olhos diligentes, em vigílias de azul atlântico, miram os céus, transformando aeronaves em psicadélicos insectos que pulsam nos ecrãs onde nunca é dia.
O aeroporto é sempre um lugar de gente apressada. Até as recordações se ajeitam ao "rush" de quem parte e de quem chega.
A pista, como língua de vaca preta, é a porta para outro lado.
Como escorre demorada a memória das coisas e dos lugares com gente da nossa vida.
Os princípios de tarde, sentado nas escadas do tanque, na Vila, à espera da biblioteca da Gulbenkian, quando inscrevi os meus irmãos como leitores, para poder levar mais alguns livros para casa, sob o olhar atento do Rosélio e do Vieira.
Os dias em que o Pepe - artista de circo, fotógrafo de meia-ilha - falava comigo e me contava de deambulações de saltimbaco e de amores de circo que me arregalavam os sentidos.
A magia estava mesmo ali, a saltar da sua loja de fotografias.
Os dias das sopas do Espírito Santo, em que a fé iguala todos, na copeira, com a carne, o pão e o vinho, em nome da partilha.
Sem convites, todos os que vierem são recebidos.
O negrume imaculado dos Anjos, lugar de Colombo e pátria emprestada da poesia do Padre Serafim de Chaves.
Os dias em que me tornei amanuense de empréstimo e aprendi a escrever à máquina, depois da escola, no serviço do meu pai. Martirizava uma velha máquina mecânica, atrás dum enorme balcão de madeira, com o dobro da minha altura.
Dias felizes, em que os papéis não tinham importância e o meu pai elogiava as minhas qualidades de dactilógrafo.
E eu, p'rá aqui, a olhar o mar!
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